sexta-feira, 4 de maio de 2012

Desencontros entre a formação e um de seus principais interlocutores – os professores.

Renata Frauendorf 

     Muitas vezes nesse papel de formador me questiono como diminuir a distância entre o que se fala na formação e o que de fato chega à sala de aula. 
     Em busca dessa aproximação procuro guardar um tempo, precioso, para visitar escolas e entrar na sala de aula para observar e assim, me alimentar da realidade como costumo dizer. É o momento de colocar o pé no chão! 
    Sempre combino com o coordenador que combina com a professora antes para evitar um mínimo de constrangimento, o que é quase impossível de acontecer, geralmente quando chego à sala recebo um olhar meio desconfiado do tipo: “O que ela quer justo na minha sala?” 
    E nesse dia não foi diferente, ao entrar numa sala de 5º ano, dei um alô para os alunos conversei rapidamente com a professora que me disse que estava trabalhando produção de textos naquele momento, pois estava desenvolvendo um projeto sobre lendas. 
    Nossa! Eu pensei, dei sorte, pois este era justamente o conteúdo de minhas formações com os coordenadores. Assim fui para um canto da sala, e fiquei observando. 
    A atividade consistia em copiar uma lenda do livro. Quarenta minutos se passaram num silêncio tenebroso, quatro lousas foram preenchidas e as crianças apenas copiando. Compreendi o que significava para esta professora Produção de texto. 
    Ao terminar essa quase tortura, no meu ponto de vista, não no dá professora, as crianças foram orientadas a pegarem livros ou revistas e, animadamente, dois meninos devoraram a revista Ciência Hoje. 
     No meio dessa agitação reparei em duas outras crianças que estavam sentadas bem à frente da mesa da professora. Elas tinham uma tarefa diferente, ao me aproximar a professora comentou: “Esses são aqueles que não avançam! Precisam de uma atividade diferenciada”. 
    Então, vi um menino com olhar triste separando letras para formar palavras de uma lista qualquer.     Definitivamente o “diferenciada” da professora não era o mesmo que o meu. 
    Fiquei ao lado dele por um tempo, e em seguida pedi se poderia ler para mim o que tinha feito. Com aquele mesmo olhar de tristeza me disse: “Eu não sei ler.” Eu perguntei: “e as letras você conhece alguma dessas?” Timidamente apontou a de seu nome, do nome da irmã e estabelecemos uma pequena conversa que nos aproximou um pouco. 
    Voltei para a lista que tinha feito e pedi que me dissesse onde estava escrito determinada palavra o que ele apontou corretamente logo de cara, nem titubeou... E dessa forma ele foi ganhando confiança e diante de meus pedidos buscava outras palavras na lista, mesmo diante de seus equívocos não parava, pois as pistas que eu lhe oferecia ajudavam a retomar suas reflexões. 
    Fiquei tão encantada com ele que nem vi quando a professora se aproximou, apenas sei que quando a notei ela já estava ali observando nossas descobertas. 
    Nosso tempo infelizmente terminou e aquele olhar triste deu lugar a um imenso sorriso. Achei melhor voltar ao meu lugar e de longe vi quando ele todo orgulhoso se aproximou da professora e perguntou: “E agora o que faço?” E ela respondeu: “Volte ao seu lugar e copie as palavras que você montou.” E eu, “eu chorei por dentro”. 
    Para encerrar esse dia, ao sairmos para o parque me aproximei da professora e ainda num sopro de esperança comentei: “Nossa você viu que bacana que o J. conseguiu ler. Ele leu todas as palavras”. 
     Para o que ela me respondeu: “Também com todas as dicas que você deu quem não ia ler”. 
    E diante de sua resposta, não legitimando o que eu tinha feito, porque ler para ela é outra coisa, chorei por dentro novamente. 


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